domingo, 23 de dezembro de 2012

Final dos tempos

Que verdade há
Afinal
Na linha final
Do final do ano?
Se em janeiro continua
O verão
Derramando águas
Lavando as almas
Da fuligem do tempo!
Se começo
Nada mais acontece
Do que outros começos
Que acontece
A qualquer tempo!


As luzes desencantadas

Um faiscar desdenhoso
lâmpadas natalinas
derramando um leite
caudaloso
que sem gosto
deixou de agradar.

Ano Novo bom

Ao passar este ano
Ano Novo é desejável
como que o novo fosse acontecer
pudera que fosse verdade.

Esta febre que me acomete
que a minha pele não revela
mas presente nas entranhas
desconhece
que o Ano Novo acontece.

Que sinal revela
esta água que baixa
pelos canos do nariz?

Esta água que lá fora
inundou o jardim
prenuncia janeiro
transbordando pelas ruas
a invadir bueiros
e a desalojar os ratos.

O que parece novo
não se trata de uma esperança
uma esperança envelhecida
mas uma  ilusão
que se renova.

Os poetas mortos

Estes amigos poetas
morreram todos
sem companhia para
poetar
minha companhia
com quem não converso
espera alguém
que pare de vez
de poetar.

Enquanto alguns esperam

As noites alongadas
pelas mesas dos bares
ficam cheias às sextas-feiras
ficam de bebedeira
os desiludidos
enquanto os iludidos
esperam o amanhã chegar.

Como que amanhã pudesse existir!

Queima a mata

Os bicos de fogo
continuamente acesos
em toda Mata Atlântica
queima metais pesados.

E a fumaça branca
num rastro ascendente
confunde-se com as nuvens
que começa a arder numa
chama sulfúrica
a queimar a ponta das folhas.

E a fumaça negra
num tropel de cavalos selvagens
 a pisotear corpos
que perderam a natureza humana.

O túnel

Estes túneis que cortam
a serra
é uma viagem
nas próprias entranhas
silencioso e mudo.

O mar

Quero ver o mar
e desesperadamente mergulhar
meu corpo insalubre
e lavar a alma.
Pudesse lavar
por um instante que fosse
meus karmas
de um passado inglório
em que bebi de licores
coloridos da ilusão!

Tempestade

Em cavalos negros
as nuvens de dezembro
cavalgam tempestades.

O que cavalgo neste momento
senão o dorso em febre
de meu próprio pensamento
que divagante conhece
o vento cortante
e a dureza das pedras.

Assim caminhava

Um andor do Senhor
dos Milagres caminhava
nos ombros de homens
que carregavam pesado
num andor carregado
de fé
de calor.

Homens que carregavam
o andor do Senhor
enquanto mulheres lamentavam
deixando um rastro de incenso
no ar carregado de sofrimento.

Homens que carregavam
todos os pecados do mundo.
Homens que pediam
um milagre
um andor do Senhor
dos Milagres caminhava.

De um bar do Peru

Este vozerio que espalha
pelas mesas do bar
tem o cheiro das sardinhas
que senti pela primeira vez
dos barcos a descarregar
suas redes carregadas
que vinham do mar.

Estas vozes que ouço
vem de um bar
vem de um cargueiro
dos pescadores solitários
que deixaram mulheres em terra
amores nas montanhas
nas planícies imensas
de areia e sal
que salgou todo o Peru.

Este sal que sopra
vem do mar.
Este vozerio vem
das mesas de um bar.

Os cristais partindo

Estes copos de champagne
transparentes
enfileirados
brilham uma brancura
de cal.

São tão irreais
derretendo ao calor da noite
em movimentos glaciais
corpos de uma mulher
prestes a partir um trincado
que se foi alongando.

Quando o ano passa

Esta sensação de acabamento
do ano passado que passou
deixou pelos cantos
um rastro de poeira
que não se levanta
nem por encantamento.

Sem tempo para tristeza
que tomou rumo inesperado
foi-se de vez
para as águas profundas
lá no fundo do esquecimento.

Pudera em silêncio
descansar a cabeça aflita
docemente pairar nas velas
perdidas em alto mar.

Pode-se no mar
e embarcar nos redemoinhos
e girar a terra
e girar o sal
e tornar-se lama a ser moldada
de novo!

Como não dizer tudo

Ainda as palavras
em suas insubstancialidades
que como sombra varre
este chão que esconde
todos os sofrimentos
e alegrias
de uma poeira
que se assenta
e de novo se levanta
desenhando formas
de existência efêmera.

Minha vida passageira
poeira do tempo
poeira além das palavras.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Visita do tempo

Uma sensação gelada
Penetra pela imensa sala
De alguém conhecido
Desconhecido pelo tempo
Que se perdeu completamente
Por estas vias tortuosas
E clandestinas
Das ruas do centro.

Como um fantasma
De face inexpressiva
Sua voz vacilante
Remete a outras imagens
Que caíram no esquecimento.
Mas um dia
Novamente
Uma provocação insana
Salta da mente
Salta de um lugar
Que deixou de existir.

Esta poeira do tempo
Que penetra fundo
Nos olhos
Ainda incomoda
E todo esquecimento
Não passa de um desejo.


domingo, 18 de novembro de 2012

Lembranças em ruínas

Após a passagem da tempestade
Nada mais resta no chão
Daquilo que foi um dia
E caíram os castelos
E caíram as igrejas
E das ruínas
Nem sobrou a consolação
Como nada mais
Pudesse existir
Como pudesse ter existido
Um dia.

Apagou-se de um dia
Para outro
Carregado pelas águas
De uma consciência indômita
Arrasadora
Que nem mesmo restou
Uma arqueologia possível
Que pudesse compor
Um labirinto de formas
Poeiras de um passado
Que já passou
Escorrendo no ralo.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Clarão nas areias

Por quanto tempo silenciaram-se
Os canhões e a tempestade de areia
Nos campos de guerra
Das areias sagradas
Que em tempos passados
Foram pisadas pelas sandálias
De Moisés por quarenta anos?

Ainda não se cansaram
Incendiar a noite metálica
Das flechas flamejantes
Explodindo num espetáculo
Pirotécnico
Sem as bandeirinhas
De São João
Pois hoje não é de festa
E há muito quebrou
O cachimbo de barro
Assim a fumaça que sobe
Não é a da paz
A fumaça é a da fuligem
Dos mísseis caindo
Numa chuva ininterrupta
De intolerância.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Procissão

Aqueles homens carregavam
Nos ombros carregavam
Um andor com o Señor de los Milagros
Em pingas o suor corria
Dos rostos morenos
Vestidos com capas lilases
Um passo à esquerda
Dezoito homens carregavam
Todo o sofrimento do homem pobre
Dos distritos peruanos
Um passo à direita
E arrastavam de um lado
De um lado para outro
Avançavam a passos lentos
Para não chegar a lugar algum
Enquanto na cruz agonizava
Com feridas barrocas
A última esperança
Tão acalentada por todos
Das mulheres que se arrastavam
De costas
Incensando o ar parado
Dos antigos ditadores
Tão adorados.
Tão adorados.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Viagem ao Peru

Quantos anos se passaram desde que pela última vez estive em Lima? Houve época em que estas viagens eram mais comuns. Ficava a lembrança das ruas do distrito de Miraflores, que novamente tive a oportunidade de percorrer. Lá estava a mesma livraria em que comprei certa vez Conversación en la Catedral, do peruano Mario Vargas Llosa. Não o li ainda, mas o farei oportunamente. Do lado esquerdo da catedral principal de Miraflores, uma quantidade grande de bares e restaurantes. Lembro-me também de ter saboreado pela primeira vez Casilero del Diablo, vinho chileno, bastante contraditório para a ocasião. Não que faltem vinhos peruanos de boa qualidade.
As pessoas que caminham por Miraflores são quase sempre brancas, dizem eles, descendentes de espanhóis.  Quando a noite cai, numa praça próxima, uma área de lazer, em mesas de pedra, nas inscrições de um tabuleiro de xadrez, velhos disputavam partidas. Na própria praça da catedral, num dia festivo, havia pessoas se divertindo num animado baile. Nada lembrava o Peru dos indígenas, tão comuns na parte central de Lima. Quando estive em Lima em fins da década de 90, pareceu-me que estes nativos mostravam feições duras no rosto queimado. Estávamos no governo de Alberto Fujimori (1990 a 2000). Justamente aquele que disputara a eleição com Vargas Llosa e deu-se melhor. Naquela época, a economia não era das melhores e o preço das mercadorias das vitrines em dólar americano.
Nada mudou, passados quinze ou mais anos, depois daquela viagem. No entanto, nesta última, alguma coisa está diferente. Fiquei feliz. Parece que a economia melhorou. O governo Fujimori se foi, vieram outros, um, dois, três presidentes. Mas quando se conversa com o motorista da van que alugamos, ele se mostra saudoso de Fujimori. Diz que teria sido ele o responsável pelo fim do terrorismo, quando o espetáculo pirotécnico das explosões dos carros no centro de Lima era constante. Uma guerrilha rural atacava também as cidades, quer dizer, Lima. O famigerado chamava-se Sendero Luminoso e Tupac Amaru.
Muitos eram os carros velhos, alguns com as partes batidas, rodando a vontade pelas ruas. De certo, houve mudanças. Os velhos continuam existindo, mas a frota daqueles velhos foi substituída. Num país em que inexiste a indústria automobilística, a importação é um fato comum. Num trânsito confuso como o de Lima, os autos não são produção nacional. Entre os populares, havia muitos de segunda mão. Letras coreanas eram uma constante nas caminhonetes e outros utilitários. Estes parecem ter desaparecido. Dá a impressão, inclusive, de que os amassados também acabaram como sucatas. As vans que levam os passageiros de um ponto para outro, da grande Lima, ainda hoje não apresentam condições longas de uso. Deteriorados igualmente pela poeira fina que cai sobre a cidade. Poeira esta que não cai em Miraflores.
Num bairro de classe alta de Lima, onde fica o Museu do Ouro, as escolas do primeiro e segundo grau causam inveja em instituições do mesmo quilate dos países do primeiro mundo. Um quarteirão inteiro para acomodar a escola. Ao lado da calçada, uma fileira de carros caros espera as crianças para o traslado.  Muito diferente das escolas da periferia, das cidades satélites de Lima, em condições precárias. Pequenos de feições indígenas disputam um lugar nas carteiras sujas e riscadas. País de imensos contrastes. Os bolsões de pobreza, de um país que começa a recuperar-se, ainda são constantes:  quantidade de favelas e construções irregulares, como as das cercanias do Aeroporto Internacional Jorge Chávez. Falta acabamento nas paredes, sem pinturas, construções com corredores escuros. Algumas dessas residências não possuem, inclusive, um teto. Na verdade, nunca choveu em Lima nos últimos anos. A informação é de que houve água em 1982. Depois disso, muito humidade à noite, sendo que durante o dia, um sol curtindo a pele morena da maior parte da população.
Para quem deseja sair de Lima,  seja para o sul, em direção a Cusco, seja para o norte, para Chiclayo. Existe uma rodovia, a Panamericana, que vai serpenteando a partir do Chile, passando depois pelo Peru, Equador, Colômbia, toda a América Central, depois o México, a costa da Califórnia para terminar no Canadá. A quase duas horas de Lima chega-se a Huacho. Conhecia Huacho de outras paradas, pois pretendia subir mais, até Chimbote. Muito deserto neste trecho, com cidades que mais parecem vilas, em que o meio de transporte metropolitano é um triciclo fabricado na Índia. Uma espécie de moto taxi, cuja corrida compensa: 2 soles e para levar até três passageiros. Não existe ônibus urbano em Huacho. A rede hoteleira é razoável para quem não exige muito conforto. Fiquei num Hostel, uma forma de hotel mais simples, com quartos simples e sem café da manhã. Existe televisão posto numa armação que sai da parede. Um armário para guardar a roupa e, ao lado, um banheiro. Havia um odor nada agradável no banheiro, talvez devido os encanamentos desgastados. Chuveiro, não havia um propriamente dito. Mas do resto, estava limpo.
Era 31 de outubro em Huacho. Nesta localidade comemora-se em procissão um ardoroso lamento ao Señor de los Milagros, que sai da igreja local. Se não tivesse visto, não acreditaria. Dentre os significados a respeito do Peru, pode ser que esta manifestação religiosa folclórica tem um ponto a ser ressaltado em sua importância: o sofrimento. Um andor em que levava a imagem do deus agonizante na cruz desfilava em marcha pelas ruas estreitas. Na frente eram nove homens, divididos de três em três, correspondentes aos apoios que escoravam nos ombros. Na parte de trás, situação semelhante. O peso devia ser enorme, pois a marcha era conduzida lentamente, arrastando os pés, repetindo a via dolorosa. Uma capa grossa de cor lilás e uma corda envolta no pescoço, imitando um laço de forca. Uma banda tocava uma música dramática, capaz de levantar os pelos do braço. Isso não se compara com um grupo de mulheres que ficava na frente da imagem, que caminhavam de costas e levando na mão um incensário, na outra o rosário. Elas cantavam melancolicamente alguma misericórdia diante do deus martirizado, mas capaz de realizar milagres.
Justamente realizado em 31, data estranha, que corresponde ao dia que antecede os finados. No Peru o finado acontece no dia 1. Em contraste com o drama que acontece em Huacho, em Lima, à noite, no bairro de Lince, mais parecia um festival em outra parte do mundo, menos no Peru. Entretanto, era no Peru que isto acontecia. As crianças vestidas de bruxas saiam pelas ruas para divertir-se. Parece ser um bairro comercial, ao lado de um outro, Jesús Maria. Muitas casas de jogos, os cassinos iluminados pelos letreiros em letras imensas e chamativas. Havia também uma casa de karaokê. Não bastasse isso, os restaurantes como Mac Donalds, para os jovens e crianças, outras igualmente populares, portanto de preços atraentes. Quem está no Peru não passa fome. A culinária é realmente impressionante quanto à variedade. Pode-se saborear cebiche, um prato típico do Peru, embora os colombianos também digam o mesmo a respeito deste prato. Feito de peixe fresco e cru, temperado com limão, cebola e outros condimentos. O caldo do ceviche chamam-no de leite de tigre. Quem provou, com certeza vai repetir. Para beber, Inka Cola, bebida feita de suco de erva-doce. Em outros tempos foi o símbolo do Peru, concorrendo com a Coca Cola. Mas quem está no Peru, deve consumir, pelo menos uma vez, a Inka Cola. Atualmente, com surpresa vi na embalagem da Inka Cola, seu novo proprietário, a Coca Cola. Além desta, a empresa tem os direitos numa outra bebida, de cor vermelha: Coca Inglesa.
País estranho, quer dizer, inesperado, em que os contrários estão presentes em cada esquina. Numa grande rede de supermercados como o Metro, com as prateleiras repletas das mais diversas mercadorias, uma infinidade de fregueses enchendo os carrinhos com o necessário e com o supérfluo. Num momento podemos estar na região mais rica do país, num outro, nas periferias das ruas sem calçamento, falhas na construção. Em plena Miraflores, os doleiros com suas capas oficiais, negociam todas as moedas conhecidas, inclusive o real. Estes estão espalhados nas ruas, misturadas à população sem causar maiores interrogações. Segurança? Existe um fetiche pelos homens e mulheres de uniforme, seja no trânsito, seja na patrulha pelas ruas.
Quando o assunto é literatura, parece que os peruanos apreciam o gênero. Afinal é a terra de Vargas Llosa, que preferiu morar na Espanha. Depois do malogro eleitoral, ele preferiu respirar outros ares, do outro lado do mundo.
Nesta última viagem, ficou uma esperança em meu coração: até na América Latina a mudança é possível? Ficou uma vontade imensa de voltar novamente e tomar Inka Cola e uma sopa de pollo. Nunca comi tanto frango como naquele país. Pelas ruas de Lince, pelas esquinas, carrinhos vendem sanduíches e para beber o emoliente. O que pode ser isso? Um caldo quente, preparado com a mistura de ervas e plantas. Nada mal. Um copo custa menos que 1 sol. Pode agradar os gringos e tem uma grande procura pela população local.


      

domingo, 28 de outubro de 2012

As folhas nem escritas

Os livros que não li ainda
Contam histórias
Em que vivo neste momento.
Prefiro não lê-los nunca
Antes fazer de minha vida
Um drama jamais escrito.

As lágrimas de cera

Naquela saída havia
Velas vermelhas
Apagadas
Em que a cera derretida
Eram lágrimas de uma mulher
Que perdeu o amor
De um amor que nunca teve!


O anjo negro

Sem nada fazer
Caminhava pelas ruas
Carregando um saco plástico
Carregando seus sonhos
Muitos deles
Em que acreditava.

Vivia nas ruas
Vivia num abrigo
Da prefeitura
Sem amigos
Nem mulher
Nem um cachorro.

Disse ter conhecimento
Dos segredos das lojas esotéricas
Disse saber da cabala
Disse ter poder nas mãos
Energia que irradiava
Sem que ninguém pudesse ver.

Disse ser um anjo negro
Que caminhava pelas ruas
Que ajudava
Quem trabalhava
Ele próprio
Nunca fez nada.

domingo, 14 de outubro de 2012

Uma vida a fio

Alguns fazem planos
A respeito de suas vidas
Abaixo dos panos
Nenhum plano
Faço
Para os próximos 5 minutos.

As duas vidas cruzadas

São muitos os amores
Que cruzaram minha vida
Uma se chama Losartan
A outra Narcaricina
Pensei um dia
Abandoná-las
Pensei
E minha vida não seria
A mesma
Se depender de mim
Nunca ficarão longe de mim
Se depender delas
Nunca ficarei sem elas.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Quando o vento sopra

Descanso minha alma
Que alquebrado plana
Acima dos capins macerados
Pelo sol que amarela
A tarde desaparecendo.

Uma brisa que fresca
Sopra acalma neste instante
Todos os meus tormentos.

Quero ser também o vento
A levantar torvelinhos
Pelos caminhos não andados
Por qualquer pensamento.

Sem sair do lugar

Nunca pode-se fugir
De si mesmo
Deste lago anoitecendo
Que cada vez mais
Vou caindo
Sem terras em meus pés.

Silêncio é companhia
Que umedece os lábios
Que secaram
Das febres passadas.

Viver é cair profundamente!

Que faço agora

Pelas janelas infinitas
Abaixo do céu de nuvens
Escuras
Uma mulher de pedra
Dança.

Uma criança por trás
Dos ferros não sorri mais
E parou de brincar.

Mas haverá em algum ponto
Um velho a mastigar
Seu cigarro de palha.
Nada mais importa
Se nenhum sonho
É possível sonhar.
Se amanhã não existe
A manhã se fez neste
Instante!

Caminhante

Sem procurar nada
Caminho sem nada buscar
Senão avançar adiante
Onde levam meus pés
Que jamais caminham
Numa linha reta
Procurando por coisa alguma.

Sem chegar nunca
Nunca sai deste lugar
Nem há onde possa ir
Sou vento soprando
Sou calmaria parando.


Vaga lembrança

Por onde andava
Andava também
Um restaurante coreano
Quando parei havia
Apenas uma lembrança
Que dissipava-se
Dos amores que se foram.

Visita-me às vezes
Visita-me o restaurante
Coreano.

As árvores

Estes galhos enegrecidos
Avançam seus braços
Sobre os carros
Que trafegam neste instante.
Sem consolo algum
Numa abraço de morte
E sugando a seiva de sangue
Dos homens
Só verde ficou
Manchando o chão
De asfalto.

No cal da desilusão

Pulsa incessantemente
No pulmão de cimento armado
O combustível queimado
Da fuligem dos carros
Que também pulsa
Em minha caixa de máquinas
Que falha a cada instante
Desta vida curta
Que só vale a pena
A vagabundagem poética
Das esquinas de minha
Cidade!

O destino tomado

Numa encruzilhada havia
Uma vela vermelha
Numa encruzilhada havia
Toda indecisão
Que direção tomar
Por isso ficou a chorar
Que decisão tomar
Não tomou
A velha queimou
E a vida se foi
Num soprar do vento
De um vento ladino.

Soprar pelos cantos

Que politicamente
Incorreto
Seja uma contradição
Destes tempos
Em que os ventos
Em desalinho
Procurem pelos cantos
Um caminho
Possível.

Quando nada mais diz

O que restou das formas
Instaladas
Desta arquitetura
Inventada no passado
Do que uma porção
De palavras que faço uso
Para dizer tão pouco?
Sombra de uma pedra
Que rolou com a água
Mas a insolência
Insiste em ficar.

Vivo agora

Foi por um lapso passageiro
Que passou em minha vista
Um risco vermelho
Que pensei ter sido
O passado de minha vida.

Mas não tenho lembrança
Alguma
Nem foto antiga
Nem história para
Contar.

Nasci neste mesmo
Momento
Que passei a me esquecer
Quando foi isso!

Quanto ao futuro
Que bobagens pensar
Naquele que não sei
Se pode acontecer.

Amigo do vento

Pelas vias mais simples
Simplesmente deixei a vida passar
Passou por uma porta
Pela outra também
E ninguém mais pode segurar
A areia fina esvaindo-se
Pela boca de um funil
O guizo que toca nesta hora
Soprado pelo vento
Só toca agora
Só toca neste momento.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A vida escapando...

Que mais vale a pena
Viver na certeza
De que nada mais vale a pena
Do que viver na incerteza
De que nada mais fica
Em estado sólido
Nas palmas
Sem que
Escorra
Entre
Os dedos.

domingo, 26 de agosto de 2012

No cal da desilusão

Pulsa incessantemente
No pulmão de cimento armado
O combustível queimado
Da fuligem dos carros
Que também pulsa
Em minha caixa de máquinas
Que falha a cada instante
Desta vida curta
Que só vale a pena
A vagabundagem poética
Das esquinas de minha
Cidade!

Eu e a chuva

Nestes dias de chuva
Derrama sobre as calçadas
Um frescor cristalino
Que esfria de vez
Todo calor que ainda sinto
Na transparência dos sentimentos
Que tal qual folhas secas
Jaz nos canteiros
Cada vez mais gelado
Os membros
Os galhos enegrecidos
Destas árvores urbanas
Pendem num só lamento.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Nada mais se detém

Quando nada mais fica na memória
Nada mais tem importância
Naquilo que poderá ser.

Sem impedimento
A água cristalina
Corre no lado descendente
De uma montanha lisa
Quem pode segurar
A fluidez de uma nuvem
Destas flutuantes
Vagabundeando nas tardes
De primavera
A primavera também
É uma mulher
Envelhecida!

Vida instantânea

Em minha companhia
 Apenas o vento soprando
Que alegria
Nada fazer do que
Nada fazer
Senão ventar junto
Com o sopro
Desta vida
Temporária
Que vivo
Apenas
Neste momento.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Solidão segundo Sokurov

Com filmagens no Japão, “Solidão” dirigido por Alexander Sokurov pode ser considerado uma pintura em que as únicas vozes ouvidas são, ao fundo, de algum narrador, possivelmente do próprio. São apenas 61 minutos de imagens, um tanto opacas, lembrando as fotografias antigas de colocação cinza. Há cores, mas de uma natureza que reforça uma nostalgia em que o diretor russo encontra no interior do país. A única personagem é Umeno Matsuyoshi, que também aparece com nome homônimo no elenco. Assim, o narrador ao deixar a sua terra natal, vai encontrar na bucólica vila em que Umeno vive os momentos de grande intimidade, como que devassando, com a permissão dela, seu universo mental e geográfico. Uma geografia que no máximo cabe a casa dela, uma casa centenária em que as paredes mudas ainda revelam na sujidade das paredes de madeira o testemunho de outros que lá viveram.
 Sem outros para conversar, em nenhum momento o narrador dirige-lhe diretamente a palavra. Menos importante, o que vale são as imagens. Estas imagens que revelam a Solidão, bem ao estilo oriental, que talvez pudesse ter existido também na Rússia rural. Trata-se de uma solidão consentida, como a dos ermitões em retiro espiritual numa cabana das montanhas. Nada muito especial acontece: cerzir um kimono branco para ser vendido, por exemplo. Há muito os filhos se foram e o marido faleceu recentemente. Ninguém mais, além do narrador, que por um momento, invade sua privacidade. Também os que assistem ao filme, fazem o mesmo, sem que ela se importe muito com isso. Fica muito a vontade, sem nada a esconder.
Ao final, na despedida do narrador, do próprio Alexander Sokurov, a atriz principal, a única atriz, a única atriz de uma peça a respeito do cotidiano, veste o melhor kimono e adentra a imensa sala. No lado direito, um altar em que orna a imagem vertical do Buda Amitaba. Neste momento, um instante de vaidade, como na ribalta, com mesuras, a personagem põe-se a declamar seus poemas. Ela, uma compositora de haiku. São breves estes versos, com contagem métrica própria. Existe certa melancolia nestes versos, da espera de alguém chegar, sem que isso aconteça. Quem sabe, ela espera a própria morte, mas se mantém resignada. O que vale afinal é a arte, da poesia como arte maior. A arte do haiku, extremamente breve, sem devaneios, direto. Direto também é o filme de Sokurov.
Solidão/Smirennaya Zhisn/Rússia e Japão/1997/com Umeno Matsuyoshi
Direção:  Alexander Sokurov
Distribuição: Magnus Opus

domingo, 29 de julho de 2012

Rodopiando

Por um instante sequer
Naveguei em terras estranhas
Nestas longínquas miragens
Em que divisa
A vista em que alcança
Nem precisei ir tão longe
Pois nunca saí do lugar
Em que sempre fiquei
Ainda que estivesse
Nas geleiras de Patagônia
Em que os marrecos escurecem
Ao anoitecer
E os peixes imóveis
Morrem nas águas salgadas
Das lágrimas dos desesperados.

Onde quer que vá
Não dou um passo adiante
E continuo rodando
Em voltas rodopiando
Como um dançarino turco
Do culto do sufi.

Onde quer que vá
Sempre estarei
Nadando na bolsa plástica
De plasma
De placenta transparente
E assistindo sempre
O mundo que me chega
Em imagens de fogo
De fogo que queima
Do fogo que ainda arde
Arde e incendeia.

Não poderia ser
Diferente
Nem seria...


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Pretérito perfeito

O que sobrou de ontem
Senão um monte de cinzas
Que ainda quentes estão
Podem queimar profundamente
E marcar a pele
Numa queimadura
De segundo grau.

Não mexa naquilo que
Descansa
Numa dança imóvel
Do vento.

   

terça-feira, 24 de julho de 2012

Fuga de si mesmo


Nada pode ser mais
Fugaz
Do que o fim do gás
De uma emoção
Que se tornou
Ultrapassada
Motivo de risada
Dos que ignoram
Toda miséria
De suas existências
De um mundo que tem
Razão
Mas sucumbe
De um mal maior
Esquizofrenia.

Uma ausência...


Dos amores passageiros
De passagem ficaram
De passagem se foram
Em instantes!
Mas algo ficou
Para não se ir
Jamais
Uma tristeza
Que insiste
Criar morada
Em minha casa.


Sombras de memória

Como se saltassem do passado
São rostos embranquecidos
De fantasmas
De rugas e formas
Que não se reconhecem mais
Nem estima
Daquilo que agora
 Invadem meu quarto
Guardado pelas chaves
Fazem sentido.

Assim visito
Com cautela
Um álbum de retratos.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Jubiabá de Jorge Amado

Pelas terras dos santos e malandros

            De certo, temos que ler os clássicos. Desde que primeira vez que tive em mãos “Jubiabá”, de Jorge Amado, muitas luas se passaram. Estávamos na década de 70. Nem fui eu que comprei o livro. Achei entre as coisas adquiridas pelo meu irmão mais novo, como obrigação das leituras exigidas nas aulas de português do primeiro grau. Então era chamado apenas de ginásio. Era no ginásio que tínhamos também, por um capricho da professora, uma introdução à literatura brasileira e portuguesa.
            Pois bem, foi quando folheei as páginas de “Jubiabá”, tentando descobrir algum fascínio, que não acabou acontecendo. Deixei de lado o livro. Mais uma vez, um exemplar de “Jubiabá” estava misturado aos outros, numa banca de livros usados. Não adquiri de imediato, foi bem depois. Tinha dúvidas se deveria ler “Jubiabá”. Li com grande prazer.
            Uma vez que se inicia, não se para por qualquer motivo fútil. Existe toda uma estética na formação das frases, sem perder a linguagem cotidiana da Bahia. Não se trata de Jubiabá como sendo este o principal protagonista da história. É de um outro, Antônio Balduino, negro, abandonado, malandro, mal e bom, herói e anti-herói, um brasileiro comum largado às margens do progresso e das normas de boa conduta. Mas existe um Jubiabá, que aparece e desaparece na história, que é sua também. A história é de todos os brasileiros na virada do século. Este Jubiabá é um macumbeiro respeitadíssimo entre os pobres, que tem o conhecimento dos ancestrais oriundos da Nigéria. É médico e sacerdote, um bruxo e um santo, é o pai de santo, que na falta de um pai, assumiu o lugar.
            Diante de Antônio Balduino, a vida passa, passageira, sorrateira, em que os acontecimentos são linhas de uma trama jogadas no tempo. Nada muito sensacional. Lembro-me dos ensinos de George Duby a respeito do cotidiano, ênfase dada na Escola dos Analles, que tanto fascinava. Todo o romance é um constante balancear do cotidiano, entre altos e baixos na vida de Antônio Balduino. Ele que fora na adolescência chefe de uma quadrilha de meninos delinqüentes, depois lutador de capoeira, lutador profissional de boxe, até perder a primeira luta, mais tarde artista de circo, se falar que vendia letras de samba para  um cantor de alta estirpe.
            Se na vida de Antônio Balduino outras vidas se cruzam, podemos dizer que se trata não apenas de uma vida, o que não existe, mas a de todos que têm em comum o momento do encontro. Não se ouve apenas uma voz, a do protagonista, bem ao contrário, todos falam a todo momento, num sussurro confuso que vibra a cidade baixa de Salvador. Todos os homens e todas as mulheres, principalmente as de condição mais humilde podem falar, pois se encontram livre para isso.
            Liberdade é a palavra certa. Os negros estão livres, após séculos de cárcere, sob o poder das chibatas do homem branco.  Homem branco que nunca foi maioria. Mas outros homens brancos aparecem, numa condição não muito diferente a dos negros. São os imigrantes europeus, que por algum deslize do destino, foram parar na Bahia. Aventureiros e pobres, como os donos do circo, que para tentar salvar os negócios da bancarrota contratam o negro Balduíno.
            Este é o universo de Jorge Amado, uma ficção, que foi reconstruída através da narrativa literária de um país ainda em formação, suas raças, sua religiosidade, costumes e preconceitos. Nada muito incomum do que acontece na vida das pessoas comuns, como nós. Somos heróis, somos também bandidos, sem separação. Somos os construtores da história através da vida apenas vivenciada em sua maior e menor intensidade.
Foi bom ter lido “Jubiabá”, das obras, não a mais popular. De alguma forma senti-me feliz nesta empreitada. Leiam se puderem.

Amigos e diferentes

Ainda que na maior discordância
Meu amigo
Há de continuar amigo.
Mas se as ideias
Não forem as mesmas
Se as ideias
De longe forem mais
Importantes
Do que as amizades
Então termos problemas
Sérios problemas
De vaidade
De simples vaidade
Que se alimenta nossa ilusão.

Uma nova religião

Sempre a minha verdade
Deve prevalecer
Bem que as outras verdades
Não passam de futilidades
Se comparadas  à minha.

Defensor dos bons princípios
Dos direitos dos menos favorecidos
Também dos mais favorecidos
Do direito à vida dos abortados
Do direito à morte dos desenganados
Do direito de não sentir o cheiro do cigarro
Do direito de fumar
Do direito de não sentir fome
Dos direito dos animais
Do direito dos anões em pagar meia passagem
Na sessão do cinema
Do direito dos políticos em negociar
Em causa pública
Em causa própria
Do direito do funcionalismo
Folgar um pouco mais
Do que os que não são gozam
Do mesmo privilégio
Do direito adquirido
Do direito a ser ainda adquirido
Todos falam em direito
Como se houvesse apenas direitos
Se assim fosse
Direito!