Pelas terras dos santos e malandros
De certo, temos que ler os clássicos. Desde que primeira vez que tive em mãos “Jubiabá”, de Jorge Amado, muitas luas se passaram. Estávamos na década de 70. Nem fui eu que comprei o livro. Achei entre as coisas adquiridas pelo meu irmão mais novo, como obrigação das leituras exigidas nas aulas de português do primeiro grau. Então era chamado apenas de ginásio. Era no ginásio que tínhamos também, por um capricho da professora, uma introdução à literatura brasileira e portuguesa.
Pois bem, foi quando folheei as páginas de “Jubiabá”, tentando descobrir algum fascínio, que não acabou acontecendo. Deixei de lado o livro. Mais uma vez, um exemplar de “Jubiabá” estava misturado aos outros, numa banca de livros usados. Não adquiri de imediato, foi bem depois. Tinha dúvidas se deveria ler “Jubiabá”. Li com grande prazer.
Uma vez que se inicia, não se para por qualquer motivo fútil. Existe toda uma estética na formação das frases, sem perder a linguagem cotidiana da Bahia. Não se trata de Jubiabá como sendo este o principal protagonista da história. É de um outro, Antônio Balduino, negro, abandonado, malandro, mal e bom, herói e anti-herói, um brasileiro comum largado às margens do progresso e das normas de boa conduta. Mas existe um Jubiabá, que aparece e desaparece na história, que é sua também. A história é de todos os brasileiros na virada do século. Este Jubiabá é um macumbeiro respeitadíssimo entre os pobres, que tem o conhecimento dos ancestrais oriundos da Nigéria. É médico e sacerdote, um bruxo e um santo, é o pai de santo, que na falta de um pai, assumiu o lugar.
Diante de Antônio Balduino, a vida passa, passageira, sorrateira, em que os acontecimentos são linhas de uma trama jogadas no tempo. Nada muito sensacional. Lembro-me dos ensinos de George Duby a respeito do cotidiano, ênfase dada na Escola dos Analles, que tanto fascinava. Todo o romance é um constante balancear do cotidiano, entre altos e baixos na vida de Antônio Balduino. Ele que fora na adolescência chefe de uma quadrilha de meninos delinqüentes, depois lutador de capoeira, lutador profissional de boxe, até perder a primeira luta, mais tarde artista de circo, se falar que vendia letras de samba para um cantor de alta estirpe.
Se na vida de Antônio Balduino outras vidas se cruzam, podemos dizer que se trata não apenas de uma vida, o que não existe, mas a de todos que têm em comum o momento do encontro. Não se ouve apenas uma voz, a do protagonista, bem ao contrário, todos falam a todo momento, num sussurro confuso que vibra a cidade baixa de Salvador. Todos os homens e todas as mulheres, principalmente as de condição mais humilde podem falar, pois se encontram livre para isso.
Liberdade é a palavra certa. Os negros estão livres, após séculos de cárcere, sob o poder das chibatas do homem branco. Homem branco que nunca foi maioria. Mas outros homens brancos aparecem, numa condição não muito diferente a dos negros. São os imigrantes europeus, que por algum deslize do destino, foram parar na Bahia. Aventureiros e pobres, como os donos do circo, que para tentar salvar os negócios da bancarrota contratam o negro Balduíno.
Este é o universo de Jorge Amado, uma ficção, que foi reconstruída através da narrativa literária de um país ainda em formação, suas raças, sua religiosidade, costumes e preconceitos. Nada muito incomum do que acontece na vida das pessoas comuns, como nós. Somos heróis, somos também bandidos, sem separação. Somos os construtores da história através da vida apenas vivenciada em sua maior e menor intensidade.
Foi bom ter lido “Jubiabá”, das obras, não a mais popular. De alguma forma senti-me feliz nesta empreitada. Leiam se puderem.
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