domingo, 29 de julho de 2012

Rodopiando

Por um instante sequer
Naveguei em terras estranhas
Nestas longínquas miragens
Em que divisa
A vista em que alcança
Nem precisei ir tão longe
Pois nunca saí do lugar
Em que sempre fiquei
Ainda que estivesse
Nas geleiras de Patagônia
Em que os marrecos escurecem
Ao anoitecer
E os peixes imóveis
Morrem nas águas salgadas
Das lágrimas dos desesperados.

Onde quer que vá
Não dou um passo adiante
E continuo rodando
Em voltas rodopiando
Como um dançarino turco
Do culto do sufi.

Onde quer que vá
Sempre estarei
Nadando na bolsa plástica
De plasma
De placenta transparente
E assistindo sempre
O mundo que me chega
Em imagens de fogo
De fogo que queima
Do fogo que ainda arde
Arde e incendeia.

Não poderia ser
Diferente
Nem seria...


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Pretérito perfeito

O que sobrou de ontem
Senão um monte de cinzas
Que ainda quentes estão
Podem queimar profundamente
E marcar a pele
Numa queimadura
De segundo grau.

Não mexa naquilo que
Descansa
Numa dança imóvel
Do vento.

   

terça-feira, 24 de julho de 2012

Fuga de si mesmo


Nada pode ser mais
Fugaz
Do que o fim do gás
De uma emoção
Que se tornou
Ultrapassada
Motivo de risada
Dos que ignoram
Toda miséria
De suas existências
De um mundo que tem
Razão
Mas sucumbe
De um mal maior
Esquizofrenia.

Uma ausência...


Dos amores passageiros
De passagem ficaram
De passagem se foram
Em instantes!
Mas algo ficou
Para não se ir
Jamais
Uma tristeza
Que insiste
Criar morada
Em minha casa.


Sombras de memória

Como se saltassem do passado
São rostos embranquecidos
De fantasmas
De rugas e formas
Que não se reconhecem mais
Nem estima
Daquilo que agora
 Invadem meu quarto
Guardado pelas chaves
Fazem sentido.

Assim visito
Com cautela
Um álbum de retratos.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Jubiabá de Jorge Amado

Pelas terras dos santos e malandros

            De certo, temos que ler os clássicos. Desde que primeira vez que tive em mãos “Jubiabá”, de Jorge Amado, muitas luas se passaram. Estávamos na década de 70. Nem fui eu que comprei o livro. Achei entre as coisas adquiridas pelo meu irmão mais novo, como obrigação das leituras exigidas nas aulas de português do primeiro grau. Então era chamado apenas de ginásio. Era no ginásio que tínhamos também, por um capricho da professora, uma introdução à literatura brasileira e portuguesa.
            Pois bem, foi quando folheei as páginas de “Jubiabá”, tentando descobrir algum fascínio, que não acabou acontecendo. Deixei de lado o livro. Mais uma vez, um exemplar de “Jubiabá” estava misturado aos outros, numa banca de livros usados. Não adquiri de imediato, foi bem depois. Tinha dúvidas se deveria ler “Jubiabá”. Li com grande prazer.
            Uma vez que se inicia, não se para por qualquer motivo fútil. Existe toda uma estética na formação das frases, sem perder a linguagem cotidiana da Bahia. Não se trata de Jubiabá como sendo este o principal protagonista da história. É de um outro, Antônio Balduino, negro, abandonado, malandro, mal e bom, herói e anti-herói, um brasileiro comum largado às margens do progresso e das normas de boa conduta. Mas existe um Jubiabá, que aparece e desaparece na história, que é sua também. A história é de todos os brasileiros na virada do século. Este Jubiabá é um macumbeiro respeitadíssimo entre os pobres, que tem o conhecimento dos ancestrais oriundos da Nigéria. É médico e sacerdote, um bruxo e um santo, é o pai de santo, que na falta de um pai, assumiu o lugar.
            Diante de Antônio Balduino, a vida passa, passageira, sorrateira, em que os acontecimentos são linhas de uma trama jogadas no tempo. Nada muito sensacional. Lembro-me dos ensinos de George Duby a respeito do cotidiano, ênfase dada na Escola dos Analles, que tanto fascinava. Todo o romance é um constante balancear do cotidiano, entre altos e baixos na vida de Antônio Balduino. Ele que fora na adolescência chefe de uma quadrilha de meninos delinqüentes, depois lutador de capoeira, lutador profissional de boxe, até perder a primeira luta, mais tarde artista de circo, se falar que vendia letras de samba para  um cantor de alta estirpe.
            Se na vida de Antônio Balduino outras vidas se cruzam, podemos dizer que se trata não apenas de uma vida, o que não existe, mas a de todos que têm em comum o momento do encontro. Não se ouve apenas uma voz, a do protagonista, bem ao contrário, todos falam a todo momento, num sussurro confuso que vibra a cidade baixa de Salvador. Todos os homens e todas as mulheres, principalmente as de condição mais humilde podem falar, pois se encontram livre para isso.
            Liberdade é a palavra certa. Os negros estão livres, após séculos de cárcere, sob o poder das chibatas do homem branco.  Homem branco que nunca foi maioria. Mas outros homens brancos aparecem, numa condição não muito diferente a dos negros. São os imigrantes europeus, que por algum deslize do destino, foram parar na Bahia. Aventureiros e pobres, como os donos do circo, que para tentar salvar os negócios da bancarrota contratam o negro Balduíno.
            Este é o universo de Jorge Amado, uma ficção, que foi reconstruída através da narrativa literária de um país ainda em formação, suas raças, sua religiosidade, costumes e preconceitos. Nada muito incomum do que acontece na vida das pessoas comuns, como nós. Somos heróis, somos também bandidos, sem separação. Somos os construtores da história através da vida apenas vivenciada em sua maior e menor intensidade.
Foi bom ter lido “Jubiabá”, das obras, não a mais popular. De alguma forma senti-me feliz nesta empreitada. Leiam se puderem.

Amigos e diferentes

Ainda que na maior discordância
Meu amigo
Há de continuar amigo.
Mas se as ideias
Não forem as mesmas
Se as ideias
De longe forem mais
Importantes
Do que as amizades
Então termos problemas
Sérios problemas
De vaidade
De simples vaidade
Que se alimenta nossa ilusão.

Uma nova religião

Sempre a minha verdade
Deve prevalecer
Bem que as outras verdades
Não passam de futilidades
Se comparadas  à minha.

Defensor dos bons princípios
Dos direitos dos menos favorecidos
Também dos mais favorecidos
Do direito à vida dos abortados
Do direito à morte dos desenganados
Do direito de não sentir o cheiro do cigarro
Do direito de fumar
Do direito de não sentir fome
Dos direito dos animais
Do direito dos anões em pagar meia passagem
Na sessão do cinema
Do direito dos políticos em negociar
Em causa pública
Em causa própria
Do direito do funcionalismo
Folgar um pouco mais
Do que os que não são gozam
Do mesmo privilégio
Do direito adquirido
Do direito a ser ainda adquirido
Todos falam em direito
Como se houvesse apenas direitos
Se assim fosse
Direito!

domingo, 15 de julho de 2012

Uma questão de tensão

Apenas assistiu
Sem nada entender
Dois adultos discutindo
Seus pontos de vista
Defendendo a verdade
As suas próprias verdades
E assim julgavam ser
Sempre assim
Os donos da verdade
E as guerras começaram
Sempre em nome da verdade
E as guerras santas começaram
Em nome dos santos
Enquanto num canto
Uma criança não sabia
O que no mundo acontecia
Um bombardeio partia
Carregando em suas asas
As almas dos mortos
Por um capricho
Humanamente aceito
Humanamente desprezível.


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Melancólica somente


Será apenas uma palavra
Melancolia
Ou será invenção dos psicanalistas
Ou da pequena burguesia
Será melancolia
Uma palavra bonita
Encontrada num canto
Da página esquerda
De um dicionário
Ultrapassado
Que perdeu validade?
Talvez seja
Algo usado pelos poetas
Desesperados
Pelas palavras criadas
Para tornar a vida
Mais interessante
Incessantemente
Buscada
E perdida.
Melancolia
Por perder
Melancolia
Por achar.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Ao encontro do canto das sereias

Num jogo de damas
Perdi mais do que as pedras
Que não passavam de artimanhas
Para enganar os desavisados
Estes marinheiros de primeira viagem
Que confundem as ondas
As espumas levantando-se
Em cristas de galo
Como fossem sereias
Destas mesmas
Que enganaram Odisseu
Ou deixou-se enganar
Só para beber de suas bocas
Um hálito agradável
Das oliveiras.

domingo, 8 de julho de 2012

Visita ausente

Num canto da janela
A noite vai penetrando
E fria chega
Por cima dos pelos
De um braço
Que apenas descansa
Espera um abraço
Que não chega
O que me esquenta
Continua sendo
Minha blusa velha
Que perdeu a linha
Meu lápis duro
Que me arranha.

Uma dor sentida no frio


Há uma dor que me visita
De manhã
De tarde
De noite
Pudera ser uma dor amorosa
Longe disso
A dor que me assola
É a dor da gota
Que me amola
No pé esquerdo
Isento de romantismo
Isento de qualquer lamento
Uma dor terrena
Epidérmica
Oceânica
Vulcânica
Uma dor desiludida
Pois até a ilusão foi perdida
Nada mais resta
Que salve
Só fica
Uma dor enjoada
Fria e desbotada
Uma dor ordinária
Que nem marca deixa
Senão a sensação
De um imenso vazio
O vazio da dor sentida.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Caminhos de pedra

As pedras atiradas pelo chão
Também falam
Numa linguagem silenciosa
Falam a respeito da dureza
Dos corações
Que não mais se emocionam
Nem se dão ao trabalho
De chorar mais.

São de pedra as estátuas
Que enfeitam as praças
Que sentem o calor
Do dia.

É a friagem da tarde
Que tornam
Os que não são de pedra
Frios.
Mais frios do que
O frio desta noite.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A parede branca

Como é silencioso a noite
Em minha sala de leitura
Em que minhas lembranças
Nada mais são
Do que lembranças
Mas que ainda
Não saíram da minha mente
Sou lembrança no presente
Sou o passado reinventado
Nas paredes brancas
De minha existência
Efêmera com certeza
Bolhas de sabão
Subindo acima do portão
Por entre as lanças
E ferros indomados
Sou também a incerteza
Que navega num barco
Furado!

Quando o vento dobra


Ainda carrego em meus braços
Os arrozais de Kumamoto
Que ao vento da primavera
Dobravam-se em reverência.

Ainda enterro minhas pernas
Naqueles alagados
Cujo barro tingia de negro
As pernas das velhas
Que curvadas avançavam na vida.

Vistos do alto
Das montanhas dos pinheirais
Somente do arroz
Sinto saudades
Que verdes balançavam
Uma brincadeira
De criança levada.

Os arrozais que sempre
Estarão comigo
Que em suas águas lamacentas
Enterro meu corpo inteiro.