quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 

A composição é agora

 

Não deve existir um momento que seja

Apropriado para compor um poema

Pode se agora

Depois se assim for

Nem os temas podemos escolher

O tema é sempre o do momento

Em que nada pensamos

Quem sabe lembramos

Um fragmento do tempo

Será a folha caindo

Será ainda se for

O saco arrastado do mendigo

O cabelo engomado do crente

Que os descrentes me perdoem

Se demônio não existisse

De quem seria a culpa?

 

Ainda que aquietemos a mente

Este braço que insiste em coçar

Sempre haverá lugar

Para um poema

Poder respirar.

 

 

A eternidade neste momento

 

Parece uma eternidade

O silêncio que desce com a poeira

Pelas paredes da sala.

 

Nada existe de mistério

Nesta sensação de estar presente

Com todas as lembranças de um passado

Que lentamente vai se desfazendo.

 

Há um momento que temos como amigo

Uma sombra que chega

Sem nome

Sem nada dizer permanece

Por segundos

Um instante de um soluço.

 

Como a eternidade lenta

E lentamente vai se fazendo

Diante de mim

Dentro de mim...

 

 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

 

Onde se encontrará?

 

Que poderia ser afinal

Felicidade?

Seria uma invenção dos incautos

Podia ser uma palavra inventada

Nos dicionários

Poderia ser algo que incomoda

Que não podia se realizar

Não agora

No futuro talvez

Nesta vida ou numa outra

Não sabia

Nem sabia que havia

Uma outra

 

Ninguém sabia a respeito

Com o respeito da palavra

Um palavrão que assustava

Felicidade

 

Um dia parou de procurá-la

Ficou quieto

De repente entendeu

Nada depois

Nada antes

Sorriu

Apenas sorriu

 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

 

Aquela que queria ser santa

 

Maria queria ser santa

Sem pecados

Sem maldade alguma

Só lhe faltavam asas

 

Maria queria ser santa

Com todas as vaidades

Com todas as mentiras

Queria ser o que não haveria

 

Maria sofria

Maria das dores

Maria iludida

Maria que vai com as outras

Maria um dia

 

Maria queria ser lembrada

Como santa

Maria foi por fim

Esquecida

 

Maria que ninguém mais

Se lembra

Apenas Maria

Entre tantas outras

 

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

 

Um ser desterrado

 

Por muito havia passado

Em que em minha terra

Sentia-me parte

Sem parte em nada mais

Sou um ser desterrado

Agora

 

Nenhum discurso me atrai

Nenhum sonho mais sonho mais

Só me restou a retirada

A que ninguém incomodasse

Se rastros deixei

Que possa apagar

Amigos

Sim estes permanecerão

Como sombras

A rebater numa parede

Em que desenhei

Um Buda em permanente

Silêncio

 

 

Primavera

 

Este entardecer de primavera

A cair como um véu tênue

Faz dormir uma criança

Que em mim ainda habita

 

Sou pássaro errante

Navegando com o vento