segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A vida escapando...

Que mais vale a pena
Viver na certeza
De que nada mais vale a pena
Do que viver na incerteza
De que nada mais fica
Em estado sólido
Nas palmas
Sem que
Escorra
Entre
Os dedos.

domingo, 26 de agosto de 2012

No cal da desilusão

Pulsa incessantemente
No pulmão de cimento armado
O combustível queimado
Da fuligem dos carros
Que também pulsa
Em minha caixa de máquinas
Que falha a cada instante
Desta vida curta
Que só vale a pena
A vagabundagem poética
Das esquinas de minha
Cidade!

Eu e a chuva

Nestes dias de chuva
Derrama sobre as calçadas
Um frescor cristalino
Que esfria de vez
Todo calor que ainda sinto
Na transparência dos sentimentos
Que tal qual folhas secas
Jaz nos canteiros
Cada vez mais gelado
Os membros
Os galhos enegrecidos
Destas árvores urbanas
Pendem num só lamento.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Nada mais se detém

Quando nada mais fica na memória
Nada mais tem importância
Naquilo que poderá ser.

Sem impedimento
A água cristalina
Corre no lado descendente
De uma montanha lisa
Quem pode segurar
A fluidez de uma nuvem
Destas flutuantes
Vagabundeando nas tardes
De primavera
A primavera também
É uma mulher
Envelhecida!

Vida instantânea

Em minha companhia
 Apenas o vento soprando
Que alegria
Nada fazer do que
Nada fazer
Senão ventar junto
Com o sopro
Desta vida
Temporária
Que vivo
Apenas
Neste momento.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Solidão segundo Sokurov

Com filmagens no Japão, “Solidão” dirigido por Alexander Sokurov pode ser considerado uma pintura em que as únicas vozes ouvidas são, ao fundo, de algum narrador, possivelmente do próprio. São apenas 61 minutos de imagens, um tanto opacas, lembrando as fotografias antigas de colocação cinza. Há cores, mas de uma natureza que reforça uma nostalgia em que o diretor russo encontra no interior do país. A única personagem é Umeno Matsuyoshi, que também aparece com nome homônimo no elenco. Assim, o narrador ao deixar a sua terra natal, vai encontrar na bucólica vila em que Umeno vive os momentos de grande intimidade, como que devassando, com a permissão dela, seu universo mental e geográfico. Uma geografia que no máximo cabe a casa dela, uma casa centenária em que as paredes mudas ainda revelam na sujidade das paredes de madeira o testemunho de outros que lá viveram.
 Sem outros para conversar, em nenhum momento o narrador dirige-lhe diretamente a palavra. Menos importante, o que vale são as imagens. Estas imagens que revelam a Solidão, bem ao estilo oriental, que talvez pudesse ter existido também na Rússia rural. Trata-se de uma solidão consentida, como a dos ermitões em retiro espiritual numa cabana das montanhas. Nada muito especial acontece: cerzir um kimono branco para ser vendido, por exemplo. Há muito os filhos se foram e o marido faleceu recentemente. Ninguém mais, além do narrador, que por um momento, invade sua privacidade. Também os que assistem ao filme, fazem o mesmo, sem que ela se importe muito com isso. Fica muito a vontade, sem nada a esconder.
Ao final, na despedida do narrador, do próprio Alexander Sokurov, a atriz principal, a única atriz, a única atriz de uma peça a respeito do cotidiano, veste o melhor kimono e adentra a imensa sala. No lado direito, um altar em que orna a imagem vertical do Buda Amitaba. Neste momento, um instante de vaidade, como na ribalta, com mesuras, a personagem põe-se a declamar seus poemas. Ela, uma compositora de haiku. São breves estes versos, com contagem métrica própria. Existe certa melancolia nestes versos, da espera de alguém chegar, sem que isso aconteça. Quem sabe, ela espera a própria morte, mas se mantém resignada. O que vale afinal é a arte, da poesia como arte maior. A arte do haiku, extremamente breve, sem devaneios, direto. Direto também é o filme de Sokurov.
Solidão/Smirennaya Zhisn/Rússia e Japão/1997/com Umeno Matsuyoshi
Direção:  Alexander Sokurov
Distribuição: Magnus Opus